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HIV – A Nossa luta de cada dia
30
Nov
2008
30 - Nov - 2008



 

@Verdade Online

Nos primeiros cinco anos de actividade passaram pelo ‘Centro DREAM’ da Matola dois milhares de mães. Devido aos cuidados ministrados, 98% delas não transmitiram o vírus do HIV aos seus bebés. A cada dia repete-se a luta contra o estigma e contra o preconceito. A oferta da terapia anti-retroviral com o objectivo de cuidar delas no período pós-parto, a educação sanitária e a amizade são elementos fundamentais para estas mulheres. Tudo tendo em vista a boa saúde das mães e, por conseguinte, a dos seus bebés. 


Já sabe qual será o nome do fi lho quando nascer. Será Vitória se for menina, e Eduardo se for rapaz. Faltam apenas dois meses para o parto, e Joana está muito contente com o seu terceiro fi lho. “Este bebé não estava programado, mas é muito bem-vindo.” 

Joana é activista do programa DREAM no centro de saúde da Matola 2. É um exemplo para as mil mulheres grávidas que neste momento estão a ser seguidas. Já não faz assistência domiciliária porque a barriga está pesada, mas não se poupa em conversar com as senhoras que diariamente frequentam o centro para as consultas, as palestras e o “curso de culinária” para bebé.

“Trabalho aqui há três anos. Hoje em dia as mulheres aceitam fazer o teste e muitas aceitam entrar no programa de prevenção. Antes era muito difícil, elas tinham medo. Eu também tive muito medo. Em 2004 fiquei grávida do meu segundo filho. Aos três de meses de gravidez, estava a ter problemas e vim fazer a consulta pré-natal. A conselheira do pré-natal aconselhou-me a fazer o teste do HIV e eu aceitei. Acusou positivo. Aconselharam a fazer tratamento para ter o bebé negativo e é isso que eu fi z. O bebé nasceu, negativo, saudável. Hoje ele tem quatro anos.”

Joana é uma das milhares de mulheres que desde 2003 estão sendo assistidas no centro DREAM da Matola 2, no programa de prevenção vertical com a tri-terapia, um programa desenhado e implementado pela Comunidade de Sant’ Egídio em Moçambique em 2002, no âmbito das políticas contra o HIV/SIDA do Governo de Moçambique. 

O DREAM privilegia as mulheres grávidas e a dupla mãefi lho porque é a escolha para o futuro de África. A oferta da tri-terapia anti-retroviral a partir da vigésima quinta semana de gravidez às senhoras grávidas, com o objectivo de as tratar também depois do parto, é fundamental. É a única maneira para prevenir o aumento exponencial de órfãos.

Durante todo o período da gravidez, os contactos com o centro DREAM constituem uma ocasião para receber conselhos, apoio, encorajamento, amizade, para mulher es num período difícil da sua vida, muitas vezes sem apoio dos maridos ou da família.

A mudança de comportamento nas relações sociais é um processo longo. Mas começam-se a ver os frutos deste trabalho feito por pessoas dedicadas que acreditam no sonho de uma África sem HIV/SIDA.

A LINGUAGEM DOS CARTAZES

Nas paredes do centro da Matola 2 estão colados muitos cartazes. Uma sogra, um marido, uma irmã a darem o seu apoio à nora, à esposa grávida. Adalberta, a enfermeira do centro, explica-nos o seu signifi cado. “Os cartazes são para sensibilizar as famílias a viverem esta problemática do HIV. No princípio, falar do HIV era falar do fi m do mundo, a pessoa com HIV era vista como um terminal, mas isso não é verdade. Se a minha nora, a minha esposa está grávida, é importante procurar saber se ela fez o teste ou não, e se fez o teste qual o resultado, no sentido de apoiar sempre pela positiva porque existe a possibilidade de ter um fi lho saudável, e também de poder estar bem e cuidar da criança. Para evitarmos o estigma e a discriminação, temos que trabalhar muito com as mulheres e as suas famílias.”

Adalberta trabalha no centro há seis anos. “Há uma grande diferença entre agora e quando comecei a trabalhar aqui. Hoje já apanhamos maridos que se preocupam em saber do teste da mulher, que lhes perguntam se fi zeram o teste. Está havendo muita advocacia. É verdade que leva o seu tempo, mas está de facto a haver uma mudança.”

A Joana, todas as quintas-feiras, juntamente com as outras activistas do centro, ensina a preparar as papinhas às futuras mães. “A partir do quarto mês, as mães são aconselhadas a introduzir papinhas para ser mais fácil a desamamentação ao sexto mês, porque nós mães seropositivas podemos amamentar o bebé até o sexto mês, depois temos de interromper. Todas as quintas-feiras, aqui no centro, convidamos as mulheres a assistirem à preparação das papas. Elas também ajudam a fazer. Não é um curso de culinária verdadeiro, mas mostramos que não é preciso ter dinheiro para alimentar bem o bebé, usamos os produtos da nossa terra, nada de extravagante. O que é preciso é ter preocupação!”

No centro as mulheres aprendem que os bebés de mães seropositivas podem fi car infectados de três maneiras: o vírus pode-se transmitir durante a gravidez, no momento do parto e através da amamentação. Sem nenhuma forma de prevenção, existem 30% de possibilidades para que uma mãe infectada possa passar o vírus ao seu bebé.

A Joana sabe que teve muita sorte em entrar no programa DREAM e repete isso a todas as mulheres com quem fala no centro. A tri-terapia que elas assumem ajuda a mantêlas em boa saúde e reduz a sua carga viral, ou seja, a quantidade de HIV no seu sistema. Elas tomam os comprimidos durante a gravidez e nos seis meses depois do parto enquanto elas amamentam o seu bebé, porque foi demonstrado que se a mãe está sendo tratada com a tri-terapia, não há nenhuma transmissão de vírus para o bebé.

“Foi um alívio grande para muitas mulheres”, diz-nos Adalberta. “Quantas senhoras tiveram problemas com as sogras porque não podiam dizer que estavam proibidas de amamentar para evitar a transmissão do vírus?… elas não podiam dizer que estavam infectadas, que eram seropositivas!”

Cada activista tem a seu cargo uma zona do bairro onde vive. Preocupa-se com a saúde dos bebés e das próprias mães. “Nós conversamos com as mães sobre a importância da higiene da comida das crianças. Algumas mães, por iniciativa própria, optam por dar leite artifi cial, mas não lavam bem os biberões! Quantas vezes dizemos que devem ferver a água, fi ltrar, e, sobretudo, controlar o leite porque o leite às vezes apodrece porque elas o deixam muito tempo no biberão. Isso provoca diarreia!”

ASSISTÊNCIA A MIL MULHERES

É um vaivém de mulheres, neste centro, com bebés enrolados nas capulanas coloridas. São pesados, medidos, controlados. Ouvem-se os choros das crianças que têm medo, mas também as risadas das mais grandinhas que brincam nas esteiras na esplanada onde as mulheres esperam a sua vez para a consulta.

Adalberta, assim como todas os trabalhadores do centro, acolhem todas com um sorriso nos lábios. Há sempre uma palavra de conforto, uma brincadeira, para as mulheres, e um biscoito ou um rebuçado para as crianças mais grandinhas. Enquanto se espera pela consulta, as activistas fazem o seu trabalho de educação contínua, alimentar, de higiene, de psicologia. “As senhoras que chegam aqui sejam positivas, sejam negativas são minhas amigas”, diz-nos Joana, “mas mais minha amiga é aquela que é positiva, como eu. Estamos à vontade, conversamos à vontade, não nos preocupamos com aquilo que os outros pensam.”

Adalberta explica-nos que a monitoria nunca pára. “Quem está a fazer a terapia antiretroviral precisa de uma monitoria muito cuidadosa. Os bebés fi cam a nosso cargo até aos 18 meses, quando podemos ter a certeza absoluta de que é seronegativo. Com esta monitoria frequente, podemos ver se a criança está a crescer bem, vamos fazendo as análises. A mãe interrompe a terapia ao sexto mês depois do parto, mas não é uma interrupção dos remédios de qualquer maneira: exige um controlo, e nós controlamos através das análises. E mesmo quando a prevenção vertical acabar, a monitoria continua. Porque a mãe é seropositiva e deve ser seguida, até onde Deus quiser, onde der.”

Quando termina a prevenção vertical, a mãe é transferida para um outro centro onde continuará a ser monitorada. “À criança é dada alta, e vai continuar com os cuidados de saúde num centro qualquer, como manda a lei do sistema de saúde nacional, até aos cinco anos.”

Mas quantas mulheres passaram por este centro? “Só neste momento tenho em assistência 1000 mulheres. Juntando as positivas e as negativas, porque tudo fi ca registado, andamos com 14.000 e tal no número de fi chas. É muita mulher que já passou aqui.”

SEM FILHO NÃO SE É MULHER

Adalberta está a atender uma senhora, a mãe da Zuleika. Lembra-se do nome da menina que nasceu no programa DREAM há quatro anos. A ficha ajuda, claro, mas cada mulher que passa por aqui, fica registada na memória. “É uma relação de amizade e confiança que se estabelece no centro. As pessoas ficam gratas por terem filhos sãos.”

As mulheres, depois de terem tido o bebé, continuam a ser monitoradas nos centros de saúde. Acontece que ficam grávidas, uma segunda ou uma terceira vez. Mas esse é um outro problema. Como nos diz Joana. “Este é o meu último filho. Depois vou entrar no planeamento familiar.” Há muitas mulheres que abrem a fi cha pela segunda vez, até pela terceira ou quarta. “Este é um problema cultural”, diz Adalberta. “Uma mulher se não tem fi lho não é nada, na nossa cultura”, diz com um sorriso nos lábios.

“Há coisas que nós não podemos negar, nesta dimensão. Se uma mulher não passou pelo trabalho de parto, não prova que é mulher”, diz-me. “ Imagina se não houvesse esse serviço de prevenção vertical que permite a muitas mulheres ter filhos sãos? Seria uma mãe que anualmente engravida, anualmente está na maternidade, mas que não consegue provar que é mulher porque o fi lho morre porque é uma criança infectada. Mas como provar à família que ela está doente? Ela não sabe, a família não sabe que está doente… mas isso é um absurdo na tradição africana, no Terceiro Mundo, em Moçambique: ser mulher é ter fi lhos, ser mulher é ter um marido, então ela tem que fazer valer isto.”

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