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Programa Dream: um modelo de luta contra HIV/SIDA
14
Set
2009
14 - Set - 2009



Savana – País
Escrito por Salane Muchanga
Sexta, 11 Setembro 2009 12:16

 

http://www.savana.co.mz/editorial/pais/1493-programa-dream-um-modelo-de-luta-contra-hivsida

A Comunidade de Santo Egídio, através do Programa Dream, abriu uma nova página de vida para as pessoas que vivem com o vírus do HIV/SIDA. Trouxe para Moçambique o teste de carga viral, o CD4, entre outras análises preponderantes para garantir o tratamento de qualidade a seropositivos. Através destas análises, incluindo o apoio psicológico dos doentes, conseguiu incutir nas pessoas que é possível viver com o vírus de forma saudável, trabalhar, estudar, brincar sem preconceitos, nem medo de morrer.

Moçambique foi o primeiro país a beneficiar do Programa Dream, em 2002, graças às boas relações que aquela comunidade mantém com o país desde os anos 80. De lá a esta parte, o Programa Dream trabalha junto das comunidades em parceria com o Ministério da Saúde (MISAU) para devolver a auto-estima das pessoas que vivem com o vírus do SIDA.
Para tal, baseou-se nos pressupostos da Organização Mundial da Saúde (OMS) que consideram a saúde como um completo bem- estar social, físico e psicológico, conforme disse o representante oficial daquela instituição, Flávio Ismael.
Ao que soubemos, o programa arrancou logo com a instalação de um laboratório de biologia molecular, contando actualmente com quatro.
Esses laboratórios, são os únicos no país que têm a capacidade para se realizar o teste de carga viral, que consiste na contagem da quantidade do vírus da imunodeficiência humana (HIV) no sangue, o que permite determinar se o tratamento anti-retroviral (ARV) está a fracassar e se o paciente precisa mudar para tratamento com ARV de segunda linha. Para além da carga viral, realizam-se outras análises.
Flávio conta que o trabalho conjunto que é realizado entre os colaboradores da Dream (activistas, médicos, técnicos de laboratório…) contribuiu para que aquela instituição vencesse as dificuldades que enfrentou no início.
Isto porque, segundo explicou, durante as primeiras semanas apresentavam-se no programa, ins-talado junto dos centros de saúde, um reduzido número de doentes, na maioria das vezes, em avançado estado da doença.
“Procuravam-nos para fazer o teste só aqueles que já não tinham mais nada a perder, os mais deses-perados, aqueles em que se via perfeitamente que tinham contraído o SIDA e que por esta razão tinham sido afastados de todos”, precisou.
Porém, avança a nossa fonte que, passado algum tempo, os mesmos doentes começaram a recuperar, ostentavam boa aparência. “Assistia-se a uma verdadeira ressurreição”, sublinhou.
“Viam-se mulheres que já viviam abandonadas nas esteiras da própria cabana, já resignadas, passarem de 30 para 70 Kg e a recomeçarem a cuidar dos filhos. Viam-se homens muito doentes, que já não podiam caminhar, prostrados não só pela doença, mas também pela humilhação de já não poderem fazer mais nada para a própria família, levantarem-se, recomeçarem a trabalhar, reencontrarem a própria dignidade”, disse Ismael.
Em Moçambique, onde a taxa de seroprevalência situa-se nos 16.2% em mais de 20 milhões de habitantes, cerca de 150 mil seropositivos recebem tratamento, e desse número uma certa percentagem está sob os cuidados do Dream.

Vencer o preconceito
Dado o trabalho que era realizado, em dois anos “foi possível vencer o preconceito e o medo e passámos de 50 testes iniciais para os mais de 20 mil”.
I. Carla, de 31 anos de idade, foi uma das pessoas por nós entrevistadas que aponta ter vencido o preconceito graças ao carinho e calor que recebe da equipa do Dream.
Carla, casada e mãe de dois filhos, disse ao SAVANA que foi difícil aceitar que era seropositiva, razão pela qual iniciou tardiamente o tratamento anti-retroviral. Porém, refere que apesar do seu estado, com o apoio que recebe graças ao programa “sinto-me feliz e aberta para falar da doença e a vida não acaba por causa do SIDA”.

 

Prevenção vertical mãe para filho
Nas suas acções o Dream introduziu o programa de prevenção vertical da mãe para o filho.
Com esta componente pretendia-se criar condições para que para além de nascerem crianças seronegativas, se garantisse o aleitamento artificial para a criança e condições para salvar a vida da mãe de modo a assistir ao crescimento do seu bebé.
No entanto, segundo o Programa das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em Moçambique, cerca de 110.000 crianças recém-nascidas perdem a vida antes de completar o seu primeiro ano de vida, em todos os anos e, outras 51.000 morrem antes de atingir os cinco anos, o que equivale a quase 453 mortes diárias. Estas crianças morrem por diversas enfermidades, incluindo o SIDA.
Todavia, desde a introdução do programa de prevenção materno-infantil de DREAM, nasceram no país 1500 crianças, das quais mais de 97% sem SIDA.
Dado o sucesso que este programa demonstrou em Moçambique, sensibiliza-se todas as mulheres grávidas a fazerem o teste de HIV para salvar a vida dos seus bebés em caso da progenitora ser seropositiva.

 

O trabalho das activistas
De acordo com o representante oficial do Dream, o primeiro grupo de doentes, de ambos os sexos, fundou a associação, “Mulheres para o dream”, ou seja, “Mulheres para o sonho”.
Estas mulheres, depois de bem treinadas e formadas, trabalham para o programa como activistas que acolhem as pessoas que o contactam pela primeira vez, encorajam-nas e ajudam-nas a seguir a terapia ou a tratar os próprios filhos.
Para dar peso às suas palavras, os activistas testemunham com a própria vida que o SIDA não é uma condenação à morte.
O Dream conta actualmente com mais de 140 activistas a nível nacional.
Angelina da Conceição Tembe* é uma das activistas da Dream há sete anos.
Contou que ficou muito doente e desesperada devido ao vírus. Mas, “graças ao apoio que tive recuperei, sinto-me bem e desde que iniciei com o tratamento não mais dormi na esteira por estar doente”, afirma Conceição.
Diz ainda que “ já me sinto capaz de realizar os meus sonhos que por causa da doença havia perdido a esperança de alçá-los”.
Um dos sonhos da Conceição era de voltar à escola e construir a sua própria casa, o que “estou a fazer actualmente”.
Falando um pouco do seu trabalho como activista, Conceição diz realizar, juntamente com outras “irmãs”, é assim como se tratam no programa, acções de educação sanitária que incluem para além das noções sobre o vírus do HIV mas também outros aspectos da vida como a alimentação, a higiene da casa e das pessoas, a prevenção de patologias infecciosas.
Para convencer os pacientes a aderirem ao tratamento, a nossa fonte diz não haver nenhuma magia, mas sim “simpatia e testemunho de vida”.
Conceição fez notar que o tipo de mensagens divulgadas sobre a prevenção do vírus é que contribuem para que as pessoas se sintam discriminadas.
Explicou que, “ as mensagens dão a entender que contraem o vírus do SIDA apenas as pessoas que se envolvem com muitos parceiros, o que não constitui a verdade, pois há outras formas de conta-minação e tendo um único parceiro também”.
Assim, “quando o resultado é HIV positivo as pessoas ficam receosas em serem descobertas pois temem represálias da população que as confunde com pessoas de má vida (prostitutas)”, acrescentou.
Disse ainda que, no seu entender, as campanhas deveriam focalizar mais a importância da realização do teste de HIV antes de iniciar as relações sexuais com o parceiro e incentivar a aderência ao tratamento.
Assim, “o apelo que faço às pessoas que pela primeira vez aparecem no Dream é de olhar apenas para a sua vida e saúde e deixar de pensar naquilo que os outros estariam a dizer a seu respeito. Aceitar o seu estado a medicar-se”.
Para Conceição, estar no Dream tem mais valia porque as pessoas falam abertamente, contam as suas experiências de como “venceram” o vírus, compartilham ideias e formas de “dar a mão a quem necessitar de ajuda”.

 

O funcionamento dos laboratórios
Para melhor se inteirar dos trabalhos que o Dream tem realizado no país, o SAVANA visitou na semana passada um dos laboratórios instalado na cidade de Maputo.
Na conversa que tivemos com a responsável do laboratório, Neide Vaz, ficámos a saber que aqueles laboratórios estão especializados para fazer, para além do teste de carga viral, o CD4, Hemograma PCR e Bioquímica.
De acordo com Vaz, no teste de Hemograma procura-se saber o estado dos glóbulos brancos, anemia, eritrócitos e plaquetas sanguíneas, enquanto que o exame de Bioquímica permite saber se o doente tem hepatite, diabetes, quantidade de ferro.
O PCR é o teste que prevê se a pessoa será ou não positiva futuramente em caso de ter entrado em contacto com o vírus. O CD4 permite apenas saber o estado imunológico do paciente.

Teste de qualidade
Vaz diz que os laboratórios trabalham em sintonia com os outros sectores. “Aqui temos o historial do paciente o que nos ajuda a comparar os resultados no início do tratamento e na actualidade para ver se está a responder ou não aos medicamentos”.
Para garantir resultados precisos, o Dream tem feito o teste de qualidade com outros países como África do Sul, Itália e o MISAU para verificar se os resultados encontrados são os mesmos.
Para realizar os exames, os laboratórios dependem das requisições dos centros de saúde.
“Os centros de saúde é que fazem a colheita de sangue dos pacientes e mandam-nos para a análise”.
Porém, tem no máximo sete dias para entregar os resultados de Hemograma e CD4 e 21 para os da carga viral.
Para evitar as contaminações, tendo em conta que os técnicos trabalham com amostras de sangue, Vaz diz que eles estão preparados para realizar limpezas nos laboratórios e como proceder durante o manuseamento das amostras.
Uma das medidas de prevenção tomadas é o uso de luvas e máscaras descartáveis, óculos de protecção, sapatos próprios para laboratório. Para a limpeza em caso de caírem algumas gotas de amostras na bancada usa-se javel (hipocloreto de sódio a 10%) bem como o álcool a 70%.

 

Importância do teste de carga viral
O teste de carga viral, segundo Ismael, é de extrema importância na medida em que garante um tra-tamento de qualidade para as pessoas vivendo com o HIV positivo. Isto porque “este tipo de análise permite a contagem dos vírus presentes no sangue do doente, o que ajuda a identificar se a pessoa está a medicar-se devidamente ou se está a resistir aos medicamentos”.
Pesquisas feitas demonstram que os exames feitos pela contagem CD4, somada à análise de sinto-mas clínicos já deixaram de dar resposta se o doente precisa de mudar para o tratamento com ARVs de segunda linha.
Para os pesquisadores, a falta de testagem de carga viral também pode resultar na transferência de muitos pacientes do tratamento com ARVs de primeira linha para o tratamento com medicamentos de segunda linha (muito mais caros), sem necessidade.
O tratamento de primeira linha custa actualmente cerca de 600 euros anuais por paciente e o de segunda linha é 10 vezes mais caro que o de primeira linha.
Os especialistas entendem que as quedas na contagem de CD4 poderiam ser o resultado de infecções oportunistas ou temporárias, tais como malária, ao invés de desenvolvimento de resistência ao ARV. O que significa que colocar pacientes em tratamento de segunda linha poderia ser um desperdício nos orçamentos de programas de combate ao HIV/SIDA.
A testagem de carga viral é uma prática regular nos países desenvolvidos mas raramente está disponível em países onde os recursos são limitados.

 

Exemplo para outros países
Hoje, Moçambique tem sido modelo para muitos países da África Austral, no que diz respeito ao combate à chamada doença do século.
Lesotho é um dos países que se mostrou interessado em usar da experiência de Moçambique para salvar a vida dos seus compatriotas vivendo com HIV.
Esta intenção foi levantada há duas semanas, pela rainha daquele país, Masenate Seeiso aquando da sua visita às instalações do Centro Dream da Criança na cidade de Maputo.
As poucas horas que a rainha permaneceu naquele centro foram suficientes para perceber o trabalho que é feito em prol dos seropositivos, sobretudo, a qualidade do laboratório instalado naquele centro.
“Falarei da vossa experiência ao Ministro da Saúde do Lesotho para que delegue uma equipa para vir a Moçambique e colher a experiência no tocante aos laboratórios porque no Lesotho ainda não chegámos a esse nível”, afirmou Masenate.
Moçambique mantém relações com a Comunidade de Santo Egídio desde os anos 80. O apoio cinge-se à ajuda humanitária e à mediação tendente ao fim da guerra civil que culminou com a assinatura do acordo de paz em Roma, capital italiana.

MISAU QUER OS LABORATÓRIOS

A Comunidade de Santo Egídio, através do Programa Dream, diz estar preocupada com o destino dos quatro laboratórios de Biologia Molecular.
Em causa está a solicitação feita pelo Ministério da Saúde (MISAU) em passar das mãos do Dream a gestão daqueles laboratórios para um sistema que se julgue não ser bem claro.
De acordo com Flávio Ismael, a petição que o MISAU enviou, em Outubro do ano passado, ao pro-grama dizia que era para se passar os laboratórios para o Sistema Nacional de Saúde.
Porém, durante as negociações, segundo avançou Ismael, o Dream apercebeu-se que o MISAU estava a envolver outras organizações para a gerência ou utilização dos laboratórios.
Estas instituições, cuja identidade não quis revelar, “não estão capacitadas, nem têm pessoas especializadas para realizar os exames de carga viral, pois quando querem realizar aquele tipo de análises recorrem aos nossos serviços”, explicou Ismael.
Esta situação, segundo avançou a nossa fonte, deixou a comunidade preocupada pois o MISAU, du-rante as negociações, não conseguiu explicar claramente quais as funções ou espaço que cada um dos componentes iria desempenhar.
Outro facto que inquieta aquela organização está relacionado com o risco que se corre em um dia as máquinas que realizam o teste de carga viral, entre outras análises, pararem de funcionar o que “não é benéfico para as pessoas vivendo com HIV/SIDA”.
É que, segundo explicou Ismael, os reagentes para o teste de carga viral são muito onerosos. Para além disso, avançou a fonte, “algumas máquinas não podem ficar sem funcionar nem por um minuto, pois se isso acontecer, implica mais gastos, na medida em que terá que se rejeitar algumas amostras”.
Para Ismael, o que preocupa o programa não é a integração dos laboratórios no Sistema Nacional de Saúde, “porque é o nosso desejo ver todos os mais de 150 mil moçambicanos em tratamento anti-retroviral a beneficiar de uma assistência de qualidade”.
Devido a esta situação, as negociações para a transição dos laboratórios foram interrompidas pela Comunidade de Santo Egídio com a aceitação do MISAU, podendo retomar nos próximos dias.

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