HomeDREAMO Pais
Os rostos que se escondem atrás dos números
30
Nov
2011
30 - Nov - 2011



Policarpo Mapengo  http://www.opais.co.mz/index.php/sociedade/45-sociedade/17892-os-rostos-que-se-escondem-atras-dos-numeros.html

Assinala-se hoje dia Internacional de Luta contra Sida.

Nascida numa família pobre, Luana teve de fazer sexo em troca de pão. E quando engravidou, foi fazer teste e descobriu que tinha sida. Quando se assinala, hoje, o dia de luta contra Sida, desviámo-nos dos números e fomos buscar duas histórias de luta.

Os números escondem os rostos do drama. “No final de 2010, havia 34 milhões de pessoas portadoras do vírus causador da Sida: mais 17% que em 2001. mas o número de novos casos estabilizou – 2.7 milhões por ano – desde 2007. Isto é, menos 15% do que em 2001 e menos 21% desde o pico de infecções, registado em 1997,” indica o relatório da ONUSIDA, apresentado mês passado e lido pela RTP.

 

O documento olha, também, para o nosso país através dos números: “Em Moçambique, há 1,4 milhão de pessoas com HIV e a taxa de infecção é de 11,5%. A epidemia estabilizou, mas mantém-se em níveis “inaceitavelmente altos.”

 

Se as instituições escondem os rostos atrás dos números, os seus donos escondem as suas identidades atrás de nomes fictícios, como o fez uma pessoa que vive com HIV/Sida a que vamos chamar Trezenda Matimele, e outra a que preferimos a chamar Luana Rita.

 

Guerra em tempo de paz

 

Tínhamos um encontro marcado no Centro Dream, onde os dois fazem tratamento. Matimele, 68 anos, pai de cinco filhos e avô de quatro netos, chama atenção entre algumas pessoas com quem conversamos. Não simplesmente pelo seu grande corpo, de que faz questão de reclamar constantemente por não conseguir reduzi-lo, e ter de travar uma longa guerra com a balança, mas também pela forma apaixonada como se envolve na conversa.

 

Tem um ar professoral. Fala com o dedo em riste, como um explicador preocupado em fazer compreender ao seu interlocutor. Foi essa preocupação com a “clareza” que o fez descobrir que era portador de HIV/Sida. “Descobri que era seropositivo pelo tanto cuidado que tenho com a minha saúde,” conta Matimele.

 

Em 1992, quando o país celebrava a assinatura do Acordo Geral de Paz, Matimele começava a sua guerra pela saúde. “Recordo-me bem desse ano. Foi o ano em que vinha a paz a Moçambique e iniciava a minha guerra”. Começava um problema nos pés que não lhe permitia calçar sapatos, o que contrariava uma das normas da sua profissão. “Era gestor hoteleiro e a minha profissão obriga a andar calçado. Isso deixou-me em baixo. Fiquei todo aquele ano, até 2001, quando comecei a pensar que qualquer coisa em mim não estava bem”.

 

Nesse período, a sua mulher, que tinha perdido irmão por HIV/Sida, começou a pressioná-lo a que fizesse o teste. Ela, segundo Matimele, conhecia os sintomas da doença e não queria voltar a perder uma pessoa próxima pela mesma teimosia demonstrada pelo irmão. Matimele acabou cedendo à pressão para fazer teste. O resultado foi positivo e Matimele, primeiro, teve de superar o medo de não saber como se orientar depois daquela informação. “Tive medo, não sabia o que devia fazer naquele momento, porque a pessoa com quem fiz aconselhamento era um simples activista, que não aprofundou a sua explicação.”

 

Em 2002, o Centro Dream começou actividades em Moçambique, quando ainda não se falava, em África, da terapia anti-retroviral. A presença dessa instituição foi se espalhando por diversos centros no país. Ainda não tinha atingido a observação de 72 000 pacientes, quando Matimele ouviu, pela televisão, falar desse centro de “sonho”. Olhou para essa instituição como espaço por onde podia começar a sua luta. “Em 2002, acompanhei na TV a existência da comunidade Sant’Egidio. Fui até Machava, informei sobre a minha situação e disseram que tinham de me fazer novamente o diagnóstico. Fizeram-me o teste e, novamente, acusou positivo. Recomendaram-me que fosse buscar a minha esposa. Ela foi fazer o teste e deu negativo. Ela voltou lá por mais duas vezes e deu negativo”.

 

Matimele não perdia o seu ar de professor de que falávamos inicialmente, mesmo quando dava uma pausa para beber alguns goles de água, mais como quem estivesse a provar. Depois, recupera a conversa para, com toda a serenidade de quem lembra o passado, sublinhar o papel que a sua mulher teve na sua luta. “Se não fosse ela, eu estaria debaixo da terra neste momento, porque, depois do problema dos pés, apareceu muita coisa no meu corpo. Em 2002, tive herpes e atingiu-me toda a cara, durante um mês.”

 

Abandono no tempo da crise

 

Se a mulher assumiu a sua doença como uma luta conjunta, as famílias dos dois não se deixaram romantizar por esse drama. “A minha família e a família dela, quando souberam que era uma pessoa com sida, começaram a discriminar-me. Ela também ficou totalmente discriminada, por estar a viver com uma pessoa com sida. A irmã dela mais velha disse para me abandonar, porque corria risco de morrer. Na altura, vivia com os meus três irmãos, mas quando souberam que tinha sida, saíram todos de casa.”

 

Os irmãos tinham vindo a Maputo para fugirem da guerra em Manhiça. Ele tomou conta dos irmãos e, mais tarde, dos sobrinhos. Esse abandono familiar transformou-se numa crise para si, pois nessa altura não trabalhava. “Comecei a ficar abalado, porque já não conseguia sustentar-me”. A esposa de Matimele teve de procurar emprego como doméstica, para sustentar a sua família.

 

“O que mais me abalou foi o estigma,” sublinha, enquanto espreita a vizinhança. De lá, diz matimele, vinha um misto de comentários. Mas era preciso superar aquele momento. A cesta-básica e o emprego que conseguiu na comunidade de SantEgidio como activista fizeram-no recuperar. A sua história de vida começou a ganhar um outro rumo.

 

 

Sexo em troca de pão

 

Luana Rita, 32 anos, entrou para a sala de centro Dream apressada. Estava a respirar fundo, pois tinha corrido para recuperar o tempo que tínhamos marcado para a entrevista. É uma mulher espontânea e descomplexada, que mesmo sabendo que o seu passado não é para se visitar, não faz questão de se prender nele, mas sim seguir o seu sonho de vir a ser enfermeira pediátrica.

 

“As mães com sida sofrem quando levam os filhos ao hospital. Algumas enfermeiras perguntam: é para pegar o teu filho com as mãos, enquanto tens sida?”

 


Leia mais na edição impressa do «Jornal O País»

NEWSLETTER

Mantieniti in contatto con DREAM

* Campo obbligatorio