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Vivia num mundo dos sonhos… até o HIV
19
Feb
2009
19 - Feb - 2009



PlusNews Africa    

MAPUTO, Marta P.*

Conheci o meu primeiro marido quando tinha 17 anos. Foi paixão à primeira vista. E obviamente fiquei logo grávida. Deixei a escola. Não queria estudar mais: vivia num mundo de sonhos. Ia ter um bebé do homem que amava, como nas novelas.

Correu tudo bem até quando ele se mudou para África do Sul onde foi trabalhar. Não passou muito tempo quando ele me disse que tinha encontrado uma outra mulher. O mundo caiu-me em cima. Foi muito difícil. A única coisa boa é que ele prometeu de tomar conta do nosso filho. E cumpriu com a promessa. O meu primeiro filho está hoje a viver com ele na África do Sul, está a estudar e vem visitar-me nas férias.

Voltei a matricular-me na escola. Queria dar um passo em frente com a minha vida. Entretanto conheci um outro homem, mais velho que eu. Gostava muito de mim, mas era um homem casado. No começo, eu não queria porque eu estava a fazer a mesma coisa que aquela senhora da África do Sul tinha feito à minha família. Mas ele era muito atencioso, muito querido.

Envolvi-me na relação apesar dos ciúmes dele. Não podia dar um passo sem que ele não me controlasse. Até chegava a ser violento quando passava na minha casa, à noite, e eu ainda não tinha chegado da escola. Mas eu gostava dele na mesma. Acreditava que um dia iríamos viver juntos. Estas histórias das novelas…

As manchas negras e a gravidez

Começaram a aparecer umas manchas negras no meu corpo. Foi ele que me sugeriu ir ao hospital e ter uma consulta com um dermatologista. Fui e descobri duas coisas que mudaram a minha vida: estava grávida e era seropositiva.

O médico foi muito claro comigo: não podia ter um filho. Já tinha pronta para mim uma guia para ir abortar. Foi aí que encontrei a enfermeira Marta, uma pessoa por quem tenho um carinho muito especial. Primeiro perguntou se eu queria aquele bebé. Claro que queria! O meu primeiro filho estava a viver na África do Sul com o pai e eu estava sozinha. Aquele filho seria uma companhia para mim e seria o laço que me ligaria de vez com o meu novo marido. Mandou-me ao centro DREAM da Matola 2 e na 25ª semana comecei o tratamento antiretroviral.

A minha filha nasceu sã e hoje tem cinco anos.

O meu marido não diz nada do seu estado, mas sempre faz questão de me lembrar de tomar os antiretrovirais, de tomar cuidado com a alimentação. Provavelmente também ele é seropositivo, mas não se quer abrir comigo. Quem sabe também a mulher dele também seja.

O estigma ainda é forte

Toda a minha família sabe do meu estado, eles me ajudaram muito, o pai da minha filha também foi muito atencioso. Mas as pessoas no meu bairro não sabem e nem quero que saibam porque tenho medo que a minha filha possa ser vítima de discriminação. Apesar da situação estar um pouco melhor com tanta campanha que tem vindo a ser feita na televisão, na rádio e nos jornais, ainda permanece um forte sentimento de estigma contra as pessoas seropositivas e existem mil e umas maneiras de discriminar. O nosso dia-a-dia não é fácil!

Vivo com a minha filha numa casa alugada, na periferia de Maputo. O pai dela continua a viver com a primeira esposa e não quer largar-me, embora hoje seja muito menos ciumento e violento porque tenho uma filha dele. A sua primeira mulher não que saber de mim e eu compreendo. Ela sabe de mim e da minha filha, que foi reconhecida por ele.

Ele dá a mesada para as despesas dela, é muito responsável. Até quis dar o nome da mãe dele para a nossa filha! Mas eu sinto a falta de um ombro. Quando preciso dele, ele não está. É uma situação muito triste e difícil. Nem queria que se divorciasse por minha causa. E ele está numa situação boa porque tem duas mulheres que gostam dele!

Viver como segunda ou terceira mulher

Muitas mulheres em Moçambique vivem esta situação de segunda mulher. Até há quem seja terceira ou quarta. Os homens dizem que é uma questão cultural, que faz parte da nossa tradição, para se justificarem. Quando penso, com a cabeça mesmo fria, digo-me que deveria deixá-lo: são onze anos que vivo nesta situação ambígua. E já começo a pensar de outra forma, pois vejo muitas mulheres na mesma situação que eu, vejo a confusão que isto dá.

Hoje eu sou uma activista do programa DREAM, faço assistência domiciliária, ensino as mães a fazer papinhas para os seus bebés, explico como se pode viver de forma positiva. No meio das nossas conversas, acontece muitas vezes de ter que lidar com situações complicadas e isso está a abrir a minha cabeça.

Voltei à escola e estou a acabar a 12ª classe. Gostaria de entrar na faculdade e estudar história e português. E quero pensar que me vou libertar bem cedo desta situação para não sofrer mais, para não fazer sofrer mais uma outra mulher como eu. Porque isso para mim já não é uma questão de cultura e nem de tradição, como homens nos querem fazer crer!

*nome fictício
 

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