Canalmoz (Moçambique)
Mortes por HIV-Sida disparam em flecha no país
– revelam organizações da sociedade civil
Maputo (Canalmoz) – A
arrogância do ministro da Saúde, Ivo
Garrido, está a vir ao de cima. Depois
de ter unilateralmente – ignorando as
organizações da sociedade civil que
pensavam o contrário – tomado a
decisão de encerrar os hospitais-dia,
surgem os primeiros sinais que apontam
para o fracasso da medida do executivo
moçambicano. Fecharam-se os
hospitais-dia alegando que os casos de
HIV-Sida passariam a ser tratados em
hospitais comuns, mas o que se vê no
terreno é que estas unidades são, de
longe, incapazes de desempenhar
cabalmente o papel que competia aos
hospitais-dia. Enquanto estes se
dedicavam unicamente aos doentes com
HIV-SIDA, as unidades comuns, já não
conseguem prestar o mesmo nível de
cuidados, uma vez que elas por si já vêm
enfrentado problemas para satisfazer a
demanda de doentes com problemas
comuns. Com este acréscimo de
responsabilidade, acabam ficando
mergulhados num desespero total.
Enquanto isso os pacientes que
agora se vêem confrontados com uma
prestação de serviço deficitário vão
abandonando o tratamento. Muitos
acabam por perder a vida.
De acordo com o coordenador do
Movimento para o Acesso ao Tratamento
em Moçambique, (MATRAM), César
Mufaniquiço, o encerramento dos
hospitais-dia no país está a aumentar a
dor e o luto no seio das famílias
moçambicanas. Segundo ele, nas
unidades comuns os doentes com HIVSIDA,
por já não encontrarem o anterior
tratamento como nos hospitais-dia,
sentem-se discriminados e alguns acabam
abandonando o tratamento. Outra
agravante, segundo a mesma fonte, é que
muitas pessoas não só abandonam a
assistência médica nas unidades sanitárias
comuns devido à descriminação, mas
também dificilmente conseguem obter
medicamentos para o devido tratamento
anti-retroviral.
César Mufaniquiço revela que os
medicamentos para o tratamento antiretroviral
aparecem a conta gotas e por
outro lado já há desvio destes
medicamentos para sua posterior venda a
preços especulativos aos necessitados.
De referir que o tratamento anti-retroviral é gratuito nas unidades sanitárias
do Estado, mas como os medicamentos
são desviados segundo a fonte que estamos
a citar, mo resultado é que depois os
doentes não têm como se tratarem. É a
obsessão pelo negócio que já está a matar.
Mufanequiço frisou que desde que o
ministro da Saúde, Ivo Garrido decretou,
em finais de Fevereiro de 2008 a abolição
dos hospitais-dia, verificam-se muitas
mortes de seropositivos, bem como a falta
de anti-retrovirais, assistência médica e
acompanhamento de doentes nas unidades
sanitárias.
César Mufaniquiço disse ainda que
o apoio nutricional bem como psico-social
que existia nos hospitais-dia já não existe
nas unidades sanitárias comuns. Os
doentes debilitados que no passado tinham
acompanhamento domiciliário e outros
apoios no tempo dos hospitais-dia, agora
já não os têm. “As mortes por HIV-Sida
estão a disparar em flecha porque a
estratégia levada a cabo pelo Ministério da
Saúde não foi adequada”, defende
Mufaniquiço.
Por outro lado o interlocutor do Canal
de Moçambique afirmou que os vários
fóruns entre o Governo e a sociedade civil
tem redundado em fracasso. Segundo a
fonte o fracasso reside no facto de a
contraparte governamental não ouvir as
posições da sociedade civil e só tentar
minimizar os problemas actualmente
existentes e constatados no terreno, mas
nunca resolvê-los, apenas tomando
medidas que depois resultam em mais e
mais problemas para os doentes de HIVSIDA.
Em suma está a desfazer o que está
a funcionar para criar problemas.
Já em Março de 2008, em entrevista
ao Canal de Moçambique, a chefe do
Programa Nacional de Controlo das
Infecções de Transmissão Sexual e do Sida
no Ministério da Saúde, Páscoa Zualo
Wate, dizia que para a sua instituição os
hospitais-dia tinham que encerrar os
serviços, uma vez que a sua sustentabilidade
financeira estava a chegar ao limite e muitos
doentes ficariam sem tratamento.
Na altura havia 214 unidades de saúde
que prestavam tratamento anti-retroviral em
apenas 29 hospitais-dia especializados ao
nível nacional e nas grandes cidades e
zonas urbanas de maior concentração da
população. Dizia Páscoa Wate que era
possível existir uma integração dos serviços
sem prejuízo na qualidade.
Páscoa Wate quando concedeu a
entrevista disse que tinha muitos sonhos
que até previa o acompanhamento e
cuidados domiciliários aos doentes de HIVSida.
O certo é que essa pretensão não
passou de sonho, devido a tantos problemas
existentes nas unidades sanitárias comuns.
Tudo piorou.
Por outro lado o porta-voz do
Ministério da Saúde, Leonardo Chavana
argumentava na altura que os hospitais-dia
deveriam ser encerrados devido à carência
de médicos para cuidar especialmente
apenas os infectados pelo HIV-Sida, uma
vez que na generalidade o sector debate-se
com o mesmo problema. Ou seja, a ideia
governamental visava rentabilizar os poucos
médicos existentes no sentido de prestarem
cuidados a todo o tipo de patologias.
Por outro lado, o porta-voz do
MISAU já previa que os hospitais que
tinham hospitais-dia, com o aumento do
número de doentes de HIV-Sida iam de
certo modo ficar congestionados.
Entretanto, já em Abril de 2008,
algumas organizações da sociedade civil,
mais concretamente da província de Gaza
alertavam que o encerramento dos hospitaisdia
estava a fomentar oportunismo e
corrupção no seio do pessoal da saúde.
Segundo elas a medida que provocou o
encerramento dos hospitais-dia estava longe
de melhorar a assistência aos doentes, mas
sim iria piorar a situação dos mesmos, porque os serviços de saúde, além de
prestarem já por si mau atendimento,
aumentariam os problemas de
descriminação por não disporem de
equipamento e pessoal especializado. Isso
está-se hoje a ver que foi bem visto.
Ninguém quis ouvir as organizações da
sociedade civil e deu no que deu a decisão
governamental.
Acesso universal ao tratamento é
um sonho
Em 2006 Moçambique fez parte do
grupo de países africanos que se reuniram
na Nigéria, Abuja, com o objectivo de
estabelecer metas até 80% no tocante ao
acesso universal aos serviços de HIV-Sida
até 2010, mas para o nosso País é um
sonho porque ainda se debate com a falta
de unidades sanitárias, medicamentos,
pessoal técnico, médico e serventuário
especializado, equipamento hospitalar
adequado, de entre outros pontos
negativos.
De acordo com César Mufaniquiço,
no caso concreto de Moçambique ainda
“é um sonho o acesso universal aos
serviços de HIV-Sida até 2010, porque o
hospital ainda não está ao alcance do
cidadão, quer em termos de infraestruturas,
condições hospitalares,
assistência médica, pessoal especializado,
e até do tratamento anti-retroviral”.
(Conceição Vitorino)